Capítulo 33

Da varanda do apartamento que fora ocupado por Taquinho, o sufi, acompanhado por Fadil, pelo clérigo xiita e por seis dos principais líderes da resistência, assistiram ao acontecimento com a ajuda de uma luneta e vários binóculos. Apenas Fadil preferiu observá-lo a olho nu. Zahirah ficou rezando na sala de orações. Ainda que envolvida e fazendo torcida para o sucesso da missão, seus olhos lacrimejavam.

Uma bateria de mísseis de curto alcance fora posicionada e estava pronta para disparar no caso de insucesso do Mujahid, e também no caso de sucesso, para ampliar o estrago, prejudicar as investigações e confundir os peritos.

Ao dar uma hora em ponto nos relógios acertados com o do celular do Mujahid, foi observada a potente e luminosa explosão provocada com o novo explosivo líquido usado, pela primeira vez, pela resistência iraquiana. O poder destrutivo que se verificou ali causou grande espanto até nos que o previam em teoria e por informações técnicas. Depois da enorme bola de fogo, do estrondo e dos tremores do solo que a sucederam, espessos rolos de fumaça negra brotaram do local.

Nesta mesma hora, o chefe máximo da resistência deu, por telefone celular, a ordem de disparo dos quatro mísseis apontados para o mesmo alvo, os quais caíram nele com precisão, em novas e fortes explosões, ampliando o caos e a destruição.

Não se comemora um ato bem sucedido do Jihad. O que se faz é orar em agradecimento a Deus Todo Poderoso e louvar o encontro da alma do mártir com Ele. Por isso, tão logo os olheiros posicionados em boas condições de observação confirmaram o sucesso da operação, todos se dirigiram, compenetrados, à sala de orações.

Mas o que não se pôde saber – pois ninguém sobreviveu para contar e nem as câmeras de segurança lograriam registrar em detalhes – é que o Mujahid subiu cautelosamente, degrau por degrau, a escada que dava para o restaurante e lá surgiu, ao lado do balcão do bar, como um espectro no restaurante superlotado de oficiais fardados. Poucos deram atenção àquela figura insólita e ofegante, vestindo aquele suspensório esdrúxulo e trazendo algo na palma da sua mão direita, de que não tirava os olhos. Sem tirar os olhos daquele objeto, ele viu a coluna central do edifício à sua frente, a uns dez metros de distância. O som-ambiente fazia o fundo musical com um dos hits de Madonna que, no passado, fora o seu predileto.

Estava exausto, pensou em detonar a explosão ali mesmo, mas, num supremo esforço a mais, decidiu caminhar até a coluna. A essa altura, algumas pessoas começavam a se mover e a se levantar, olhando para ele curiosas. Durante o percurso até a coluna, ele cruzou com um garçon que o viu bem de perto. Este, ao perceber o que tinha diante de si, jogou sua bandeja no chão e saiu correndo em direção à escada.

Foi então que o pânico tomou conta do lugar. Taquinho já se encontrava ao lado da coluna quando viu numa das mesas à sua frente um rosto que conhecia bem. Veio-lhe então à mente a última coisa a fazer.

Percebeu que tinha o controle da situação e que ninguém mais poderia impedi-lo de executar a operação. Sentia-se repentinamente em excelente condição física, a adrenalina parece ter agido sobre o seu estado e ele se via em tão perfeita harmonia com o seu corpo que era como se tivesse renascido. Estava calmo e sereno, sem temores nem aflições. Naquele segundo, passou-lhe pela mente toda a sua existência; foi como se o vaso da memória tivesse explodido e tudo o que havia nele aflorasse simultaneamente, fazendo um redemoinho de luzes em sua mente, que tinha como centro o escapulário – era o poder na palma da sua mão; o poder total, sobre tudo e sobre todos.

Não que se sentisse um Deus; ele sentia que Deus havia penetrado em seu ser e tomado conta de todo ele. Sentia como se seu porte e sua postura fossem se tornando altivos, sua figura se agigantando em relação ao cenário que se amesquinhava; já não estava mais lá.

Somente seus olhos ainda ali permaneciam e fuzilavam os raios cataclísmicos do poder dos deuses, ou de Deus, como ele cria e tinha fé.

Tudo isto lhe ocorrera enquanto ele mirava, não mais o escapulário, mas aquele rosto, olho no olho, esperando ser reconhecido pelo responsável por sua prisão, o homem que balançara a cabeça afirmativamente diante de uma foto na primeira vez em que fora torturado, o qual era, então, o chefe da seção de Psiquiatria de Guantânamo – a pessoa mais odiada pelos prisioneiros daquele inferno nos tempos em que Taquinho lá fora introduzido, e cujo nome era o mais citado na segunda parte do seu memorial.

Ao se ver, enfim, reconhecido na expressão de pavor que tomou conta do rosto daquele homem, o Mujahid usou toda a força dos seus pulmões:

- Coronel Morgan! – gritou, silenciando o ambiente em transe de horror - I came here to save you.

Em seguida, num gesto dramático, por ele coreografado e ensaiado inúmeras vezes e ali encenado com altivez, voltou-se com irreverência para a câmera de segurança mais próxima, levantando o punho esquerdo cerrado, e estendeu o outro braço na direção dela como a oferecer-lhe o que trazia na mão. E fechou o escapulário.


FIM


Nota do autor
No decorrer da revisão desta novela, houve a posse do novo presidente dos EUA, Barack Obama. Como primeiro ato de seu mandato, ele determinou o fechamento da prisão de Guantânamo e outras prisões similares mundo afora, implantadas na gestão anterior. O mundo agradece. É preciso, porém, advertir que as feridas abertas no tecido social da Humanidade por tais instituições do terror não são cicatrizáveis; e os danos, irreversíveis. Assim, se faz necessário identificar e punir os responsáveis, além de indenizar as vítimas e seus familiares, para que recuperemos em parte a condição de seres civilizados – uma vez que a perdemos diante de tamanha barbárie –, e para que tais atrocidades jamais se repitam.