Capítulo 16

- A quinta garrafa - continuou o chefe da resistência em sua explanação, sempre com a tradução de Fadil - será a de um vinho comum, e terá sobre a boca uma medida de volume e um pequeno funil. Você vai retirar primeiramente do bueiro, uma a uma, as quatro garrafas do primeiro composto e colocá-las dentro do tanque, retirando as rolhas com que Khalid vai tampá-las. Depois, usando o funil e a medida, misturará uma só medida do segundo composto em cada uma. A solução estará pronta para explodir, bastando para isso uma pequena e única fagulha de eletricidade, portanto, a partir daí há que ter cuidado em cada gesto.

Ele continuou a explicação, que voltamos a dar em resumo:

Faraj vestirá o suspensório, ajustando-o bem, e pendurará no pescoço um cordão com um escapulário cristão que encontrará no escaninho de Khalid, perto do tanque, junto com quatro fios de carregadores de MP3, preparados para serem plugados no escapulário, numa das pontas, e a outra para ser introduzida dentro da garrafa. Ele então colocará as garrafas abertas nas bolsas do suspensório, plugará as pontas amarelas dos fios no escapulário e enfiará a ponta vermelha dentro de cada garrafa até tocar o fundo. Depois, retirará a bateria do MP3, que é pequena, redonda e quase do tamanho de uma moeda, e a encaixará por dentro da tampa do escapulário, mantendo-o aberto na palma da mão.

Daí em diante, só terá de andar com calma até a escada, sempre mantendo na palma da mão o escapulário aberto, subir devagar a escada e entrar no restaurante. Isto deverá acontecer exatamente à uma hora da tarde, quando o salão estará completamente lotado. Sem parar um só segundo, mas também sem se apressar nem fazer movimentos bruscos, Faraj seguirá na direção da coluna central do edifício, atento nas pessoas à sua volta. Qualquer movimento que perceber sendo feito na sua direção, o levará a fechar o escapulário, mesmo se não tiver alcançado a coluna central. Ao fazê-lo, a bateria provocará uma fagulha nas quatro garrafas. Será uma explosão arrasadora.

Faraj ouviu tudo com atenção e pediu licença para fazer três observações.

A primeira era sobre as câmeras de segurança. Elas poderiam detectá-lo no percurso e ele então ser impedido de subir a escada? Neste caso, apesar de lhe parecer óbvio, se via obrigado a perguntar: deveria explodir-se ali mesmo, onde estivesse?

A resposta, dada pelo chefe da Inteligência, informava-lhe que diante da importância do evento provavelmente haveria um segurança na entrada de serviço do restaurante que dava para a adega, a escada e a dispensa. Desde que ele não demonstrasse insegurança ou motivos de suspeição, nem as câmeras nem o segurança atinariam para algo suspeito. Pensariam que ele levava uma nova requisição de garrafas para cima. Seria bastante que caminhasse naturalmente até o andar de cima. O tempo que gastará em todo o percurso deverá ser em torno de dois a três minutos, até o topo da escada. Ali, sim, sua presença causaria estranheza. Mas ele já teria os alvos bem à sua frente e o sucesso da operação estaria assegurado. Contudo, se ele pudesse chegar até a coluna central, o colapso do edifício era certo, e quem não fosse eliminado pela explosão o seria pela queda do prédio, que possui três andares. No terceiro, funciona o escritório administrativo dos negócios do empresário. A coluna fica localizada a dez metros da saída da escada, à frente do balcão do bar, em linha reta e sem obstáculos, no meio do largo corredor principal que se abre entre as mesas e ao longo do qual estará montado o suntuoso buffet, que naquela hora estará quase sem ninguém ao redor, pois a maioria dos comensais já teria se servido.

- De qualquer forma - continuou - após estar com o aparato pronto para explodir, não há volta atrás. Se for interceptado no percurso, onde quer que esteja, não existe outra saída senão provocar a explosão. Segundo os cálculos, mesmo ocorrendo no andar inferior, ela causará danos catastróficos, ainda que não totalmente letais como os que pretendemos produzir. Uma vez alcançado o ponto de gatilho, já podemos considerar a operação um sucesso. O mais difícil e arriscado será chegar a este ponto.

A segunda observação dizia respeito à condição do Mujahid para subir a escada oito ou dez vezes na primeira fase da operação. Todos ali sabiam que ele passara por um processo de tortura em câmara frigorífica que quase liquidou com as articulações do seu corpo. Além do mais, seu aparelho respiratório fora muito prejudicado e ele tinha fôlego curto. Reconhecia que vinha melhorando e até se recuperando, mas não saberia dizer, com certeza, se seria fisicamente capaz de executar aquela parte do plano.

Desta vez foi Fadil quem lhe respondeu, em português. Seus médicos já haviam sido consultados sobre isto, e a solução foi a de um tratamento prévio com cortisona aplicada diretamente nas articulações. Tomará, também, pouco antes, excitantes farmacêuticos que muito vão ajudá-lo em seu ânimo e em suas forças físicas. Apesar de a cortisona e tais produtos lhe serem proibidos, seus usos não farão diferença, pois os efeitos colaterais só começam a se manifestar entre 12 e 24 horas depois da aplicação ou ingestão.

- Contudo - emendou Fadil - esta será a única parte do plano que não podemos arriscar ensaiar e fazer testes completos. Qualquer prejuízo à sua saúde ou à sua condição física inviabilizará a execução do plano. Só saberemos no “Dia D”, mas confiamos em sua força espiritual e na sua capacidade de superar desafios, o que, aliás, já nos demonstrou mais que o suficiente. Se não confiássemos no seu sucesso, não estaríamos aqui.

A terceira era sobre as conseqüências do seu ato. Não a respeito de sua própria pessoa, isto não lhe importava e nem pedia nada, já conhecia a recompensa e era imensamente grato pelo privilégio. Mas, quais seriam as respostas que esperavam dos invasores depois de tamanha derrota, se o plano fosse bem sucedido? Isto, sim, o preocupava muito, pois conhece bem o inimigo e sabe da sua ferocidade, da sua força brutal e implacável.

Foi agora Shakir a dar a resposta, igualmente em português.

Esperavam, sim, uma resposta violenta e contundente; a sede de vingança e o ódio a alimentariam. Porém, não seria a primeira vez que enfrentavam tal perigo. Bastava a lembrança do que acontecera em Fallujah e em outras circunstâncias menos conhecidas, inclusive na própria Bagdá.

- Quanto aos estragos que nos farão por vingança, nós não somos capazes de avaliar, mas podemos imaginá-los terrivelmente. Ocorre que a ferocidade, a brutalidade, o terror, o ódio e a vingança não são as forças que os fazem temíveis para nós – falou com serenidade o sufi - Somos experientes em enfrentá-las, não só desse inimigo, mas de outros, muitos outros, inclusive os que já vão longe nos tempos históricos. O que os faria temíveis para nós é se alcançassem o conhecimento das nossas forças mais poderosas e desvendassem o maior segredo da nossa resistência – a energia divina do Islã! Nossa resistência só é vitoriosa por esse motivo. Lutamos uma guerra desigual, mas nós conhecemos as forças deles, e eles desconhecem as nossas. É de onde tiramos as diferenças. Consideramos esta nova estratégia do inimigo a mais perfeita que apresentaram, eis porque temos de destruí-la antes que seja posta em prática no campo de batalha. Eles cometeram um erro do qual não podemos deixar de nos valer, e ambos não teremos a segunda chance. Da nossa parte, se perdermos a oportunidade, outra não se apresentará que possa liquidá-los de uma só vez; saberão que temos conhecimento de seus planos e não colocarão todos os ovos novamente numa só cesta. Do lado deles, ao perder esses oficiais, não haverá como formarem novos, e todo o enorme investimento que empenharam em tempo e em recursos humanos, materiais e financeiros lhes terá sido em vão, sem possibilidades de reavê-los. Não nos importa quantos bombardeios terríveis assestem contra nossas cabeças, nem quantas chacinas e crimes possam cometer a mais do que já cometeram. Eles saberão que, perdida essa batalha, terão perdido a guerra. Tal vitória, portanto, é a conquista mais importante para nós neste momento, e é o que motiva a operação “O Esplendor Islã”.

Capítulo 17